Ou “Arquitetura do mal”. Não, não falo do documentário homônimo de Peter Cohen, também traduzido como “Arquitetura da Destruição”, onde é retratada a ascensão nazista e as estratégias que culminaram no episódio mais dramático do século XX e que reverbera até hoje, inclusive em discussões acaloradíssimas nas redes sociais.
No entanto, podemos utilizar esse título enquanto termo, usado algumas vezes durante a minha formação para designar projetos de centros de compras, escritórios, ou mesmo projetos acadêmicos que condicionam o sujeito afim de afetá-lo. No entanto, há de se fazer algumas distinções.
Recentemente, um amigo de formação escreveu a primeira parte de seu TFG, “Timidez Arquitetada”, em que ele parte também de uma perspectiva pessoal mas justifica seu projeto seguindo um ponto de vista fenomenológico e da psicologia ambiental de Kurt Levin. Breve: seu projeto inicial apresentava um pavilhão projetado para que as pessoas pudessem passar por experiências que os aproximariam da sensação que um tímido vive.
Entre elogios, uma crítica ao seu trabalho foi que o projeto era uma “arquitetura do mal”, dito de forma concisa, mas que abarca uma série de interpretações. É a partir desse ponto que entram as necessárias distinções.
Na situação descrita, a alcunha foi dada devido aquilo que o projeto busca infligir, à experiência que ele busca submeter o usuário, que no caso é a sensação de um tímido. Essa posição, onde se assume de antemão a timidez como qualidade negativa em si, afasta qualquer tipo de desconforto ainda que eles possam ser geradores de novas compreensões e criadores de valores. Portanto, “arquitetura do mal” nesse caso diz respeito aquilo a que se está condicionando o sujeito.
A ascensão de uma cultura participativa, na qual a exposição, a comparação e a confrontação de posições vira uma regra maior, torna o compartilhamento de afetos uma espécie de valor moral.¹
Uma outra face da questão é o fato de que “arquitetura do mal” é aquela que afeta o usuário de maneira a controlar suas ações ou então guiá-los. Os centros de compras são projetados para que, na subida e na descida pelas escadas rolantes, o usuário passe diante da maior quantidade de lojas possíveis e que nesse trajeto estabelecido responda a função primeira que é o consumo. Em escritórios o artifício pode ser usado de modo que os banheiros sejam colocados em locais de grande visibilidade para que o usuário seja visto toda vez que caminha até lá, forçando um constrangimento para manter-se mais tempo trabalhando. Esses são objetivos externos à arquitetura mas que se cristalizam espacialmente a partir de um projeto, portanto devem ser criticadas enquanto tal.
Nessa interpretação tanto os projetos de centros comerciais e escritórios quanto o projeto do pavilhão estão lado a lado por conta do controle estabelecido sobre o usuário, fazendo com que ele seja forçado em um trajeto ou então levado a situações e sentimentos específicos. Todos eles estabelecem uma função pragmática e tentam alcançá-la com o projeto.
Dessa forma, trato aqui da “arquitetura do mal” como sendo aquela que suspende as vontades individuais e imputa um controle sobre as ações do usuário, substituindo as escolhas e arranjos pessoais por um domínio que é não só exterior à arquitetura, mas fruto de uma moral que suprime as forças individuais. Moral essa que também agrega erroneamente um olhar pejorativo a estados mais reclusos do ser.
A partir desse estabelecimento, proponho a Solidão como uma alternativa — que deve ser vista longe da moral que a assume negativa — para a produção e reflexão arquitetônica.
A solidão é a chave para a afirmação de si. Ela rompe com a idealização provocada pela moral para dar espaço aos impulsos vitais e fazer o ser humano retomar em si o pensar, o sentir e o querer, que a moral havia apagado em nome da implantação de um processo de negação do “eu”.²
notas
¹ Dunker, C. (2017). Reinvenção da intimidade. São Paulo: Ubu, p.95.
² Estudo Nietzsche, Curitiba, v. 1, n. 2, p. 435–440, jul./dez. 2010
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