Nos últimos 50 anos, a arquitetura vem colocando esforços para se desvencilhar das amarras que a prendiam a um mundo pautado pela presença irredutível da razão — marcada pela beleza funcionalista -, ao mesmo tempo que tenta encontrar novas plataformas que respondam a um novo ambiente de complexidades.
John Hejduk (1929–2000), após uma jornada de investigações diagramáticas na arquitetura, no final dos anos 1960, passa a abordá-la sob uma nova perspectiva, agora pautada em grande parte por elementos textuais empregados no vocabulário próprio da arquitetura. É nesse período que está inserido seu projeto chamado “Element House”.
Esse projeto surge como uma forma de apresentar à filha os elementos básicos do vocabulário arquitetônico. Hejduk propõe cores primárias a espaços com funções definidas e aberturas cujos formatos são associados aos desses ambientes. Tais elementos, como parede, piso e teto, são definidos através da forma pura de um cubo. Há também explicitado no rascunho da planta as cores estipuladas para as paredes internas e externas do projeto.
Em seu livro “Mask of Medusa”, o arquiteto explica que há na “Element House”, um momento de virada na forma com que ele passara a produzir e olhar para a realidade. Hejduk utiliza-se de uma ideia exposta no livro “The Failling Distance”, de Jay Fellows, para apresentar um outro modo de olhar em perspectiva.¹ Esse novo direcionamento do olhar produz a chamada “configuração diamante”.
Essa configuração é definida por três elementos básicos: o sujeito, a fachada de entrada e a ausência do sujeito. Esses três elementos estão posicionados em uma mesma linha definida pelo trajeto do sujeito rumo ao interior do projeto. Hejduk saliente esse percurso ao colocar uma caixa branca como a entrada. Do ponto onde está o sujeito abre-se a perspectiva até a parede da fachada, elemento que define a relação entre o exterior e o interior. Essa perspectiva passa então a agir como um ângulo virtual e fecha-se até o ponto da ausência do sujeito. A formação dessa configuração se dá, portanto, a partir das linhas definidas pela perspectiva que se abre a partir do sujeito, encontra-se com a parede e então fecha-se até o ponto onde o sujeito está ausente, formando assim um losango, ou diamante.
No texto chamado “De Outros Espaços”, Michel Foucault traz o espelho como objeto que compreende tanto a Utopia (por ser um espaço que não tem espaço) quanto a Heteropia ( pois o espelho ocupa um espaço ao mesmo tempo que abriga um espaço).² Esse exemplo utilizado por Foucault estabelece a mesma relação com perspectiva que Hejduk ao definir o ponto ausente. O reflexo, o “eu virtual” do espelho, ocupa uma posição definida pela presença do “eu real” ao olhar para o espelho. Desse modo, o espaço virtual está ocupado pela própria ausência do sujeito.
Hejduk propõe uma diferenciação entre o externo e o interno ao pintar as paredes de preto e branco, respectivamente. Contudo, a parede na qual está definida a entrada é pintada de cinza, como mostra seu rascunho da “Element House”, ela é a mescla entre o dentro e o fora, entre o branco e o preto. No achatamento da hipotenusa do ângulo reto criado pela linha do percurso e pela parede da fachada que acontece a apoteose. É exatamente no momento que se está cruzando o ponto de entrada-saída, onde a hipotenusa está mais achatada, que ocorre o chamado “momento de presença”, ou também de “momento de morte”.

É a partir do entendimento que Hejduk faz da presença e da ausência nesse projeto, que torna esse trabalho importante para as suas produções posteriores. Ao analisar a produção da Idade Média até a metade do século XX, ele observa que há nesse período a predominância de projetos que favorecem a abundância da luz do sol, a privacidade reduzida e os espaços abertos. A isso ele chama de “arquitetura do otimismo”. No entanto, ele argumenta que deve haver uma força para balancear essa presença, uma “arquitetura do pessimismo”, e que não deve ser tomado como negativo, mas para privilegiar um equilíbrio de forças que possam produzir argumentações que fujam de uma condição hegemônica para a arquitetura. Essa virada de rumo pode ser apreendida em seus trabalhos posteriores como “The House for the Inhabitant Who Refused to Participate” and “The Thirteen Watchtowers of Cannaregio”.³
Portanto, está presente na configuração diamante a fagulha para aquilo que pode oferecer novos deslocamentos para a arquitetura: a inserção da ausência como parte do real. Ao chamar o momento que se cruza do exterior para o interior da casa de “momento de morte” há necessariamente a presença dela no entendimento e na significação daquilo que é a vida, ou seja, daquilo que é a presença. Não como um conceito subjacente, mas sim componente daquilo tudo que faz da vida ela mesma. Há, portanto, o retorno daquilo que primeiro tentamos afastar, a morte. Ao seguir pensamentos que excluíam as contradições, os sentimentos negativados ou que se contrapunham a uma hegemonia de pensamento, a arquitetura excluiu de si a própria vida e seus impulsos, sua força criativa. Ao trazer “a morte” para a perspectiva, Hejduk traz novamente a possibilidade de “não-ser” da arquitetura, que é indissociável da possibilidade de ser aquilo que quiser.
Com isso, nos distanciamos de grandes pensamentos dogmáticos e tradicionais, ou regras que eliminam novas articulações, para encontrar força não mais em um embate daquilo que melhor se aproxima do definido como bom, mas sim, um embate que é genuinamente do campo da vontade e da força de querer no mundo. É nesse ponto que a arquitetura poderá fazer escolhas sobre suas tradições e suas regras, não somente para refutá-los, mas também para afirmá-los quando assim se julgar necessário. Hejduk e sua “Element House”, nos ensina, em última instância, a liberdade. A liberdade para definirmos nossas ações, mas também para definirmos nossos próprios limites.
notas
¹ HEJDUK, John. “Mask of Medusa”. Rizzoli, New York, USA, 1985, p. 62
² FOUCAULT, Michel. “Outros Espaços”. In: Estética: literatura e pintura, música e cinema. Forense Universitária, Rio de Janeiro, Brazil, 2009, p. 422.
³ Op. cit. “Mask of Medusa”. p,62
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